Uma nova espécie de planta que enterra as suas sementes – a primeira descoberta na família – foi encontrada na Mata Atlântica do litoral norte da Bahia, Brasil, por um grupo internacional de botânicos amadores e cientistas.
José Carlos Mendes Santos (de apelido “Louro”) é um caseiro na região rural do nordeste da Bahia, Brasil – uma das áreas do mundo com maior biodiversidade. Há dois anos, ele encontrou uma planta minúscula de apenas 3 cm de altura e com flores esbranquiçadas no quintal da casa do botânico amador e coletor local Alex Popovkin. A plantinha foi trazida para casa para ser cultivada na janela para uma observação cuidadosa. Em paralelo, o trabalho sobre a sua identificação começou. Graças à energia solar e uma conexão via satélite, Popovkin teve acesso à Internet, e como era seu hábito, ele enviou algumas fotos da planta para o Flickr e fez contato com diversos especialistas em taxonomia ao redor do mundo. A família (família da estricnina, ou Loganiaceae) e o gênero (Spigelia) da planta foram logo estabelecidos, com uma sugestão de uma botânica brasileira que poderia tratar-se de uma nova espécie.
Uma colaboração foi iniciada com Lena Struwe, especialista da família da planta na Universidade Rutgers, que já havia descrito uma espécie dos Andes da família das gencianas e nomeada após Harry Potter (Macrocarpaea apparata), e outra em homenagem à tribo Inca (Symbolanthus incaicus). Mais coletas foram feitas, mais fotografias detalhadas postas no Flickr e amostras da planta foram depositadas na coleção do Herbário da Universidade Estadual de Feira de Santana (HUEFS) na Bahia. Enquanto isso, Mari Carmen Molina, uma cientista espanhola visitante no laboratório de Struwe, extraiu o DNA da planta, e em colaboração com Katherine Mathews da Western Carolina University no estado da Carolina do Norte confirmaram que o gênero era de fato Spigelia, ao qual também pertence o espigélia (pinkroot), um remédio natural contra parasitas intestinais conhecido há muito na América do Norte.
Somente algumas plantas minúsculas foram encontradas no campo durante o primeiro ano. Elas morrem a cada estação seca, e reaparecerem novamente apenas no início das chuvas. A planta cultivada na janela logo mostrou uma característica bem particular e rara: depois que os frutos são formados, os ramos da inflorescência com os frutos se dobram para baixo, depositando os frutos com sementes no solo (e às vezes enterrando-os sob a superfície macia de musgo), garantindo assim que as sementes acabem se estabelecendo o mais próximo possível da planta-mãe, facilitando a sua propagação na temporada seguinte. Este fenômeno, chamado geocarpia, é uma adaptação rara observada em plantas que geralmente crescem em ambientes rigorosos ou efêmeros. Um exemplo famoso de geocarpia é o bem conhecido amendoim da família das leguminosas, que enterra seus frutos no chão. A nova espécie, apropriadamente chamada Spigelia genuflexa, é descrita em um artigo de livre acesso que foi publicado esta semana pelos cinco colaboradores na revista taxonômica PhytoKeys, de onde o artigo poderá ser baixado gratuitamente.
Mr. Popovkin: Esta é minha primeira publicação botânica em uma revista profissional. Espero poder contribuir ainda mais em breve. Desde o início da minha adolescência, tenho tido uma grande atração pelas plantas, especialmente as plantas tropicais, quando comecei a trabalhar como voluntário nas estufas do jardim botânico da Universidade de São Petersburgo na Rússia. Levei 30 anos para realizar meu sonho de viver nos trópicos e estudar as plantas de perto. Minhas caminhadas diárias em busca por plantas sempre me proporcionam descobertas pessoais. Louro, o meu ajudante e companheiro local de coletas, tem também despertado o interesse pela botânica.
“É muito fácil pensar que já temos encontrado e descrito a maioria das espécies de plantas do mundo, mas esta descoberta mostra que ainda resta muito a ser reconhecido” diz Struwe, e acrescenta “Esta descoberta mostra que o mais fascinante das coisas vivas pode ser encontrado quando a gente menos espera, em lugares e momentos quando a gente realmente não está procurando por alguma coisa nova, e então de repente ela está exatamente ali em frente da gente. Quantos de nós não temos tido as mais brilhantes ideias quando estamos tomando banho? A arte da taxonomia é encontrar, bem como ser capaz de reconhecer algo como novo ou diferente, o que é difícil porque o mundo abriga milhões de espécies, mas pouquíssimas pessoas são especialistas nos diferentes grupos de plantas".
Este caso mostra que a colaboração entre amadores e profissionais cientistas, usando os novos métodos moleculares e os tradicionais e através das facilidades da Internet pode levar a novas descobertas e maneiras eficientes de documentar a biodiversidade mundial.
Fotos de Alex Popovkin estão disponíveis sob a licensa Creative Commons (Attribution 2.0 Generic (CC BY 2.0)):
http://www.flickr.com/photos/plants_of_russian_in_brazil/sets/72157619216710603/with/4627080568/